sábado, 10 de setembro de 2022

Tem uma pessoa surda na minha palestra! E agora???

 Tem uma pessoa surda na minha palestra. E agora!? Dicas para a gestão da falha de planejamento da sua atividade*.

 

Calma, que o problema é mais o desconhecimento do que a dificuldade de comunicação em si.  Mas é importante entender que o seu planejamento não analisou bem o ambiente e etapas imprescindíveis foram esquecidas. 

Corrigir erros é sempre mais caro, não é? Além do que há a questão reputacional, cuja correção é extremamente difícil.  Afinal, você organizou um evento em que a mensagem sutil é “pessoas com deficiência auditiva não são bem-vindas”. 

Ninguém quer ter seu nome associado ao desrespeito às pessoas com deficiência, que no Brasil são mais de 45 milhões (Censo IBGE, 2010).  E para isso não acontecer, abaixo seguem algumas sugestões para a gestão dessa falha em tempo real. E sugestões de melhorias para constar do seu relatório de pós-evento:

  • em primeiro lugar – e o mais importante – não tenha receio e nem constrangimento. É comum a gente ficar com vergonha por não sabe sinalizar, mas você vai conseguir se comunicar com essas pessoas;
  • se você foi contratado ou convidado para a palestra, ao aceitar, solicite ao organizador que se certifique de estar cumprindo todos os critérios de acessibilidade previstos em lei (Lei Brasileira da Inclusão – LBI – Lei n.º 13.146/2015), que são: língua de sinais, áudio-descrição e legendagem;
  • solicite que a organização reserve espaço nas primeiras fileiras, próximas ao local onde você irá se posicionar, para serem ocupadas pelas pessoas com deficiência auditiva.  Isso irá facilitar que eles visualizem seu rosto, sua forma de articular as palavras, expressões faciais e corporais, porque a comunicação vai muito além da voz.  E se ao longo do evento for verificado que não tem ninguém nessa condição, você libera as cadeiras, sem problema;
  • busque falar de maneira pausada e bem articulada, mas de forma natural, sem exageros e de frente para as pessoas com surdez.  Mesmo as pessoas com perdas auditivas leves ou moderadas, as que usam aparelhos ou implantes e se comunicam em português também irão se beneficiar com essa estratégia;
  • ao final da atividade, dirija-se às pessoas com deficiência auditiva para cumprimentá-las. Consulte-as se foi possível acompanhar a atividade.  Se comprometa em lhes enviar os slides de sua apresentação e textos sobre o tema da palestra, e se prontifique a convidá-las para outras ocasiões, na qual se compromete a providenciar Intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras).  Se planeje para providenciar algumas cortesias;
  • tenha sempre a mão um aplicativo ou software que converte a Língua Portuguesa para Libras. Há ótimos apps no mercado que podem ser baixados sem custo para seu celular. Eles vão te salvar numa situação emergencial.  O App não substitui o intérprete, mas vai converter a sua fala em sinais da Libras para ajudar nesse momento mais imediato de cumprimentar as pessoas e verificar como contornar a falha;
  • normalmente a pessoa surda conhece palavras-chave de uso diário.  Se não conseguir entender o que ela está sinalizando, peça para escrever em um papel ou mesmo digitar a palavra no celular.  Ao compreender, repita com ela o sinal que corresponde aquela palavra e que provavelmente ela sinalizará para você, na tentativa de se comunicar. É uma forma de você mostrar atenção e respeito pela pessoa e sua primeira língua;
  • lembre-se que o App não substitui o intérprete, pois exclui a possibilidade do uso do gestual, entonação, interjeições, expressões corporais e faciais para completar a comunicação.  É como se estivéssemos conversando com a Alexa. Ela responde, mas de forma robótica.  Falta e a inteligência social, a vivacidade e o calor humano.  A perda na comunicação é grande;
  • considere aprender alguns sinais básicos na Língua de Sinais.  É fácil encontrar pelas redes sociais e canais de youtube.  Pratique. A gente não aprende “i love you”, “this book on the table” e “good nigth”? Qual a dificuldade em aprender a sinalizar em Libras essas e outras expressões do dia a dia?
  • e nunca esquecer que nem toda pessoa surda fala em língua de sinais, mas apenas as que tem surdez profunda e de não tiveram a oportunidade de aprender também a Língua Portuguesa.  Por isso, é preciso prever Libras e legendas automáticas. E uma não substitui a outra, mas se complementam.

Esses são limites aceitáveis de resolução da falha de planejamento, enquanto a atividade está em efetiva execução.  Mas está claro que a atividade precisa de ajustes futuros, ou você poderá ter comprometido seus custos e a qualidade de seu serviço.  Afinal, você está descumprindo a legislação federal.  Volte ao seu planejamento com a maior brevidade possível e identifique a falha, ajustando-a.

O importante é a consciência de que acessibilidade é Direito Humano das pessoas com deficiência e que está prevista em lei federal.  E que esses recursos precisam constar do seu planejamento, pois é por meio dele que você assegurará que todas as pessoas presentes estão sendo tratadas com equidade, que não é a justiça que trata todas as pessoas iguais, mas é a justiça que é realizada quando se iguala as condições de participação e respeitando as diferenças entre as pessoas.

Lembram que no artigo anterior, #CompromissocomaAcessibilidade, vimos que ao divulgar palestras é preciso deixar claro que a atividade “respeita a acessibilidade e as pessoas com deficiência”, criando um campo para os inscritos informarem se tem alguma deficiência ou mobilidade reduzida, e se necessitam de recursos de acessibilidade e condições diferenciadas para participar?

Esse cuidado sutil inclusive trará mais visibilidade e clientela para seus eventos.  Acredite!

Descrição da imagem #PraTodesVerem - self de Rita. 
Mulher negra de pele branqueada, cabelos crespos, grisalhos,
amarrados em coque.  Olha para a câmera e sorri levemente. 
Está de camiseta preta e casaco jeans. 
Usa óculos de grau pretos, brincos e colar laranja.

 
#CompromissocomaAcessibilidade #Pessoascomdeficiência #Inclusão #Equidade #Diversidade #Comunicação #DireitoHumano

*Rita Mendonça é advogada, pesquisadora e consultora, especialista em acessibilidade, direitos das pessoas com deficiência, LGBTQIAP+, Direitos Humanos, ESG, Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI).
@ritarita2000

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