quinta-feira, 23 de abril de 2020

#coisasqueaprendicomaquarentenadocovid19

Quem menos tem, é que mais sabe dividir. 
 
Em tempos de covid-19, e eu do privilégio de poder estar observando o mundo da minha varanda, do alto, com comida na geladeira, vi o vendedor de balas do semáforo, magro, negro, roupas simples e rotas, desanimar e sentar no chão, na porta de um comércio de jóias, ainda fechado em razão da quarentena. Era perto das 12h. Isso, numa cidade extremamente quente, a ponto de ser desagradável caminhar na rua com o sol à pino. 
 
Ele não usava máscara. A mão foi ao rosto e assim ficou, de cabeça baixa. 
 
É quando um outro homem caminhando pela calçada, roupas simples e rotas, pele escura - por que a pobreza é negra? Isso é outra coisa que merece reflexão - vai passando por ele e rapidamente lhe oferece uma nota. Pela cor da nota, não seria de 100 reais; então, concluo ser a de 2 reais. Pega qualquer coisa na caixinha de balas sem nem olhar direito o que foi. Ele trocam um olhar de aceno e reconhecimento. 
 
Pra mim, ficou claro que ali não existiu uma compra, uma relação de consumo. Mas uma prática quase que religiosa de energia solidária.
 
Ali, um disse para o outro sem precisar falar: "não desiste. Você não está sozinho."
p.s. pessoal, como rede social agora é 'terra de ninguém', antes que alguém venha me repreender, por achar que não fiz nada e só fico olhando, lembro que além de Advogada em Direitos Humanos sou escritora e poetisa, embora andasse afastada das letras nesse sentido. Lembrem-se da licença poética que abençoa o universo cultural. Os relatos que venho fazendo nesse período de quarentena são baseados em observações reais feitas da minha varanda, sim. Mas recebem a carga poética de uma boa contadora de histórias. Meu objetivo é promover a reflexão sobre a condição humana e o processo de desumanização de nossos seres feitas pelo nosso sistema baseado no capital. Sejam bons meninos, não fazendo julgamentos e criticas vagas.
 
Não gostou? é só me excluir do seu grupo de amigos de face e seguir adiante, na paz...
E pra quem não conseguir ir na paz, favor vomitar seu ranço em outro espaço. Obrigada. De nada.
 

#coisasqueaprendicomaquarentenadocovid19


Do alto do meu 2º andar, olhei pra baixo, para o Centro de uma cidade que independente de quarenta costuma ser de um silêncio absoluto, e vi um homem magro, escuro, com roupas desgastadas, remexendo cuidadosamente o lixo. 
Era cuidadoso, o que demonstrava uma visível consciência com o impacto do lixo no meio ambiente. 
Mas em vez de separar o material reciclável, tentava separar restos de comida e arrumava num balde, cuidadosamente. 
Chorei!

Bicho (Manuel Bandeira)
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(escrito na década de 1940, por Bandeira. Mas poderia ter sido hoje. O que deixa cada vez mais claro que avançamos em tecnologia. E em nada mais...